7 de out. de 2011

POR DE TRÁS DAQUELES OLHOS

NINO BELLIENY

Quando adolescente, ninguém lhe roubou mais atenções e toda a paz. Bastava um gesto e lá estava, solícito cavaleiro da távola, disposto garoto apaixonado da cabeça aos dedos das mãos, trabalhadores incansáveis na substituição do que só ela poderia dar. E não dava, só recebia o vosso fruto e toma exploração, favores, recados para outros, elogios a outros, uma infinidade de negações. 

Em troca, só recebia aquele olhar. Ah, aquele olhar! Se você que está lendo agora o visse, ou pior ainda, fosse visto, jamais se esqueceria... pareciam chispas de solda, aquelas chamas azuladas, ora esverdeadas, queimando órbitas e o pensamentos. No entanto, o guri sobreviveu. O tempo lambeu os calendários das paredes, trocou caminhos, traçou músculos fortes no corpo e afiou a mente.

Carregou-o pelo mundo como folhas de paineira em dias de ventania. Se reencontraram, numa tarde em Lisboa, ela lendo Pessoa num café cheio de outros turistas também lendo Pessoa ou fingindo. Quando a viu, ficou parado, as lembranças fluindo lentas como o Tejo, e pensou que era Cabral fazendo o caminho inverso, redescobrindo uma rota antiga e silenciosa. 

Ficou assim, até ser notado por ela, figura graciosa, de pronto em pé, braços e sorrisos abertos, e logo já estavam abraçados em minutos que foram horas. Quis sentir-se soberano, senhor da situação, dissimular não estar nem um pouco emocionado. As palavras porém, foram em rumo de Trás-os-Montes, buscaram África, voltaram para Campos dos Goytacazes, deixando-o ali, presa inerte daquele olhar. 

De novo-o-mesmo-de-antigamente. Ela, mil vezes mais sagaz, mil vezes mais bonita e dona dos mesmos velhos artifícios, fingiu que não percebeu. Apenas tomou-o pelo braço e à moda lusitana, levou-o à Praça. Entraram no Hotel, bastaram-se de silêncios e fogo molhando os corpos. Uma noite sem pausas, com final marcado. 

Hoje, quando olha além da janela e não vê a Torre de Belém, tantos anos depois, ainda se pergunta se foi sonho ou imaginação, miragem emocional de quem está numa terra distante e acaba vendo, sem ver, pai, mãe amigos e até, principalmente, a única mulher que ele amou na vida.

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