29 de nov. de 2011

PARA QUEM ACREDITA

NINO BELLIENY

Todos os dias somos testados em nossa fé, não porque Deus queria nos avaliar como ratos de laboratório, mas, por nós mesmos, em nossas fraquezas e desacertos, quando precisamos nos lembrar como somos poderosos tendo-o como capitão de nosso time. 

Problemas financeiros, sentimentais, físicos e indecifráveis, acontecem em nossas vidas em progressiva sucessão confusa. O planeta parece sair de sua rota e nos levar para o completo medo de que não saberemos como proceder diante de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Em se tratando de uma falha na saúde, é mais fácil lidarmos com a mesma se formos diretamente atingidos do que em alguém querido. 

Um filho pequeno, um irmão no auge da juventude, a mãe ou o pai quando atingidos pela doença, pode assustar tanto ou mais do que se for em nós mesmos, através da responsabilidade gerada pelo amor. Claro, há famílias regidas pelo egoísmo, sintetizado em conhecida frase: “Antes ele do que eu”. Porém, nas relações onde o amor impera, a doença de um, é a de todos. 

Nesta hora, atracar o navio e jogar a âncora da fé é a primeira atitude, para traçar novos rumos com tranqüilidade. Ter certeza inabalável de que estamos sendo atingido por uma forte tempestade, mas que poderá ser vencida, desde que permaneçamos calmos. 

Reações violentas sejam em palavras e atitudes, contribuem apenas para desintegração da harmonia familiar, a primeira a sofrer abalos nas horas de pique na saúde financeira ou do corpo. 

Evitar as discussões ofensivas onde todos se acham o dono da razão, mas também, procurar com serenidade uma saída, acreditando firmemente na solução, enxergando todas as alternativas e aceitando o inevitável se assim for, só depois de muita luta. 

E ter certeza da vitória, mas não deitado no esplêndido sofá da acomodação. Fé não será nunca sinônimo de preguiça, espera pelo que os outros possam fazer e não conseguindo, ter alguém em quem botar a culpa. Fé é agir na certeza profunda e não inconsequente que este foi um poder presenteado por Deus. A chave está em nós.

SEM DONO

POEMA PELA METADE

NINO BELLIENY
O que a gente não diz, mas, escreve
Vem das terras inóspitas e quentes
A que muitos chamam de coração
Coberto por um músculo estriado que precisa de tantos cuidados
Geralmente só depois de sustos e quedas invisíveis, reconhecido.

O que a gente sente, mas, nem sempre diz
Tem o poder de assustar ou de fazer feliz
E pular frenético como um carnaval sem data marcada

Bem à nossa frente a mulher querida
Fervendo nos olhos a palavra amada.

O que se diz , escreve e sente
De um jeito único e irredutível
Mesmo girando em órbitas sem sentido

É o que eu falaria
Mas, só o silêncio é permitido.

28 de nov. de 2011

GUARDA-TE DA PRÓPRIA MALDADE

Conflitos existem em qualquer estágio da vida. A diferença está na capacidade e velocidade de reação diante do tipo de sentimento atacando a serenidade. 

É uma súbita informação da morte de alguém querido, é a falta de um objeto importante, uma fofoca, um prejuízo financeiro, um –não-se-sabe-bem-o-quê –incomodando- tanto e uma vontade de ficar invisível. 

São dias de angústia previsível e constatação de que o mundo não é feito exclusivamente, aumentando a sensação de abandono e a autopiedade. É nesse instante que a reação se faz necessária. 

Não aquela agressiva contra todos e principalmente contra si mesmo, mas, a que permite compreender o que se passa e rapidamente isolar a nociva sensação de raiva, desejo de vingança, impotência por não conseguir, repetição das imagens mentais do ocorrido como um filme sem fim, ilusões desfeitas e humilhação cavalar. 

Acontece quando há discussão entre amigos, chefe e subordinado, marido e mulher, duas pessoas estranhas, enfim, onde houver uma relação ou confronto em que um assume o papel de dominador e o outro de dominado ainda que inconscientemente. 

Aprender na velocidade ideal a reconhecer que tipo de texto surge nos palcos da vida dá a condição de aceitar ou não qual personagem será predominante. De preferência equilibrado e consciente da imensa fragilidade de tudo o que há em volta. E mansamente fluir na direção do infinito.

MITOLOGIA DE PALANQUE

NINO BELLIENY
Prometeu acorrentado.
Livre,nada cumpriu.

O OUTRO LADO

ATAFÔNICA

 NINO BELLIENY
Sinto você partindo de mim como os barcos de pesca na madrugada seguem para o alto mar.
 NINO BELLIENY 
Enquanto você se preserva, eu me hiperexponho. Descrevo na cara todos os meus pesadelos e sonhos.

DDD

 NINO BELLIENY 
Amor a cobrar. Para não aceitá-lo continue fora da linha após a identificação.

 NINO BELLIENY
A vitória do Amor está também na própria derrota. Ao render-se, ele vence o orgulho e o ódio. É a mais consagradora derrota do Universo.

26 de nov. de 2011

TEMPO DE OLHAR PARA O TEMPO

NINO BELLIENY

A vida tem um único propósito: Seguir em frente. Tentamos controlar o futuro, mal percebemos o presente, mergulhamos em demasiado no passado e seus remorsos, daquilo que poderia ter sido feito e não foi, ter sido falado e não foi. 

Queremos ter domínio sobre sentimentos, pessoas e até sobre as coisas. Mas, é no aparente descontrole que a vida desliza. Não se pode prever o que vai acontecer daqui a pouco ao dobrarmos a esquina. Podemos controlar nossas palavras e atos, evitando causar mágoas nos outros, refletidas depois em nós. 

Podemos evitar certos problemas obedecendo a lei, a ordem , a ética e o respeito. Mas, mesmo conscientes dos riscos em volta, tropeçamos invariavelmente, pois a condição humana é feita de erros e acertos.

Querer no entanto, ser absolutamente certo, negar ter errado ou mortificar-se por que errou, nos leva à uma constante tensão. Como evitar estes paradoxos?

Simplesmente tendo em mente, de que tudo passa. O que ontem nos afligiu tanto, hoje é só uma lembrança amarga. O que nos adoçou a boca antes é só uma boa lembrança agora e ambas as formas de recordar podem ser desagradáveis. 

Lembrar o bem que se viveu e não se vive mais, ou o ruim que se sentiu, serve apenas como u m espinho entrando no pé quanto mais se caminha. Isto não significa que devemos nos tornar insensíveis e práticos, descartando as emoções. 

Apenas devemos dar a cada sentimento o tempo exato que a natureza dá para que seja vivido. O que foi, não tem retorno, mas, o que se vive no agora deve ser aproveitado integralmente como a única garantia de eterno. 

O momento, o instante, o agora. E dura apenas o espaço entre uma respiração e outra. Para que não se tenha remorsos depois. E possível seja dizer que viveu-se o que deveria ter sido vivido da melhor maneira possível.

24 de nov. de 2011

VOGUE

NINO BELLIENY 
A beleza aparente se apaga ponto por ponto na pele, formando um pergaminho onde estão escritos os melhores poemas de uma vida. Os cegos que enxergam tudo não sabem ver ali o imprescindível. A beleza verdadeira surge quando a superficial vai embora.

23 de nov. de 2011

ESPANTO

NINO BELLIENY

ESPANTO
Quando falou, a voz saiu tão firme, que ele mesmo estranhou, achando ser outra pessoa, um espírito de liberdade e convicção dominando o corpo pequeno e esquálido, daqueles que nunca frequentaram uma academia ou praticaram uma arte marcial qualquer. Mas, neste instante varonil, precisou ser homem e corajoso, forte e impávido colosso cheio de energia e vontade. A arma caiu-lhe às mãos como um presente e diria ser de um anjo, não fosse letal. Um anjo do inferno talvez, deixando-lhe livre e disposto a apertar o gatilho e desfazer-se do que tanto o incomodou.
ESTAVA
Encostado ao último poste da rua semi-escura da casa da namorada, quando um sujeito forte, surgiu relâmpago, lhe cutucando a nuca com aquela coisa de cano prateado, a primeira que lê viu em toda sua vida a não ser nas telas do Cine Goitacá e na Sessão Coruja. Viu pelos cantos dos olhos e lentamente virou-se ao comando da sombra que o assaltava em voz baixa e gutural: ”passa o relógio,a carteira, tudo!”. Ao invés de temer e tremer como um fio de telefone na ventania, permaneceu tão calmo que isso sim, o assustou. Não imaginava reagir distante, como se estivesse vendo uma cena e não participando dela. O assaltante, senhor de si, experiente de outras operações semelhantes, carteira assinada há tanto tempo pelo crime, não estranhou, pensou apenas que era mais um otário metido a valente. E engatilhou a máquina.
O CLIQUE
Não foi capaz de intimidá-lo ou forçar a pedir clemência. Antes de qualquer reação ou atitude que desfizesse toda a coragem inesperada e demonstrada até ali, o rapaz fraco de corpo percebeu uma hesitação, um risco de olhar enviesado, uma vertigem sobrevoando o bandido. A voz esganiçada,as pernas bambeando e o gigantesco homem desabando com a boca produzindo baba em grande quantidade,se estrebuchando no piso irregular da calçada.
EPILEPSIA
Os anos trabalhando em posto de saúde fizeram–no reconhecer o caso. A arma prateada escorregou das mãos do epiléptico e foi mansamente até às suas mãos. E durante milésimos de segundos, só pensou em apontar e atirar em quem minutos antes iria mandá-lo para terreno sagrado do invisível. Instantes antes, ele seria o defunto. Agora, o Anjo Vingador, a justiça rápida e inflexível. Calculou o impacto ...a cabeça espumante do inimigo gratuito sob a alça de mira em breve seria uma massa vermelha no cimento e a epilepsia teria cura e a doença do mal e todos os assaltos antes e assassinatos correlatos seriam justiçados.
BASTARIA
Apertar suave e firmemente. Iria para casa sem remorsos e uma pistola nas mãos para vender depois por um qualquer.
FOI QUANDO
Entendeu que seria pior do que aquele a quem considerava um animal caído, uma fera prestes a ser abatida. Eliminaria um monstro e passaria a carregar outro dentro de si. Um monstro capaz de ressurgir a qualquer momento, bastasse ser contrariado ou pensar ser capaz de justiçar os que o curto braço da lei não alcançava.
PREFERIU
Telefonar para a polícia,deixar a arma descarregada sobre o corpo, prestar o socorro que sabia como e sentar-se no meio-fio enquanto policiais e ambulância não chegavam foi o que fez. Apenas a consciência flutuando como uma bolha de sabão lhe dizia que tinha sido o certo. Além da vida renovada e coberta pelas asas de uma anjo...um anjo do Bem.

AOS QUE TERMINARAM ( OU FORAM TERMINADOS)

 NINO BELLIENY
Uma relação amorosa e desta ainda não saíram: toquem a vida como melhor acharem, porém, evitem declarações de bem estar, exposição de felicidade, autoafirmações e revelações de um "novo amor". Atitudes ótimas para confirmação da angustiante ausência presente de quem partiu mais cedo da história. Não enganam nem a quem as faz...

22 de nov. de 2011

TODOS TEMOS INIMIGOS

 NINO BELLIENY
Ilusão pensar o contrário. Ilusão também preocupar-se com eles ao ponto de enviar recados, desabafos, indiretas. Assim como reclamar muito da inveja e de "gente que se mete na vida alheia". Estes assuntos menores não podem gerenciar a sua vida. Tudo o que "os inimigos" querem é exato isso: ver você fingindo não estar incomodado, se revelando em cada atitude e palavra. Solenemente ignore. Não siga o cansado caminho da maioria. Só você sabe o peso da sua mochila.

19 de nov. de 2011

TIME IS FREE

NINO BELLIENY
Minha cabeça voa no tempo faz como bem quer a minha cara e todo o corpo são papéis onde os dias e as noites escrevem sempre uma velha linha nova mas a minha cabeça ah a minha cabeça faz do tempo o que bem quer.

CONSERTE O SEU CORAÇÃO EM PARIS

NINO BELLIENY

Chamou os conhecidos, fez aquela rodinha íntima, cerca de 10 casais e foi em tom solene, já enfiando o anel no dedo da namorada, comunicando o noivado. A moça, estupefata, nem reagiu. 

Ficou de olhos esbugalhados, sem poder dizer não, sem poder respirar direito sequer. 
O agora noivo, havia preparado tudo, sem avisar aos pais, sem deixar vazar nada daquela "Operação Aliança".

E o mais interessante, os convites para o casamento também já estavam encomendados, mas, isto, ela só viria a saber mais tarde. Naquele noite, diante de tão interessada platéia, numa festa na casa de outros, só lhe restou relaxar e rir muito da situação, o que deixou o noivo satisfeito, pensando que era pura felicidade dela.

Os amigos brindaram, a família ficou meio encabulada, mas, como ele havia conquistado a todos, era boa pessoa, gentil sempre, solícito, o tipo perfeito de genro, passou. 

O que ela não encarou como divertido e fez, tempos depois, entornar o leite de vez, foi a descoberta dos convites, da data marcada, do "tudo resolvido" por conta dele... sentiu-se uma peça de jogo, um mero objeto e mandou tudo pela janela do invisível trem da vida...

Ganhou o apoio da família, viajou uma longa semana para Paris, voltou mais leve, mais bela e pronta pra esquecer. O que não foi muito difícil, já que amar, nunca amou mesmo aquela figura tão calculista e interesseira...

Ele bem que tentou, chorando, procurando-a, se esforçando em parecer perdidamente apaixonado. Mas, ela agora, deixara seu coração longe, muito longe, às margens do Sena... a única coisa que a interessava era aperfeiçoar seu francês e voltar o mais rápido possível. Ele que ficasse com o Paraíba e o Muriaé....

17 de nov. de 2011

TODA VEZ

 NINO BELLIENY 
TODA VEZ
que leio/ouço alguém dizendo não mais se importar com determinada pessoa, mandando-lhe pastar/danar-se... percebo o quanto ainda o incomodo é vasto. Quem se livra de um fantasma não alardeia, não manda recados nem responde. Só tem tempo pra ser feliz.

16 de nov. de 2011

A VIDA É AO VIVO

GATOS NÃO PRECISAM IR PARA O CÉU

NINO BELLIENY

Eles não vão enganar você. E nem pense fazer tal coisa. Ao tentar ser carinhoso com eles, seja sincero na intenção e suave no gesto. Não há barganha. Dê-lhes o que quiser e nada espere além de um ronronar, um roçar em suas pernas e um, aparentemente indiferente, olhar dissimulado, produzido por olhos cheios de ondas como os de Capitu. 

Não, não são indiferentes. Estão ligados em você. Sabem mais a seu respeito do que você sobre eles. São puras intuição e instinto, faro e audição. Se eles dormem, parte deles está mais acordada do que o cérebro humano em estado de alerta total. 

Olhando-lhes com mais atenção, você descobrirá que, humanos ao invés de andarem, apenas rastejam, comparados à graça felina em passos que não ressoam, em perfeita simetria de patas: esquerda - esquerda, direita - direita, volver! Vai ver e já não mais estarão em seu campo de visão. 

Um passarinho risca-lhe a luz das pupilas e o salto do predador agora em vão, daqui a pouco não mais será. Não insistem, sabem recuar, fingir não querer e se querem ou não querem, você nunca terá certeza. Não, não pense que eles não amam. 

É um amor independente, fino, elegante, sem rabos festivos nem pulos ao seu redor. Se desejar aprender Economia, estude com eles. Anatomia, Fisiologia, agilidade, relaxamento, charme,higiene, defesa pessoal, velocidade e precisão, aprenda com eles. 

Você não irá além de meras porcentagens, terá, porém, evoluído e muito na limitada escala humana. Enquanto você julga, eles têm certeza. Você analisa, eles concluem, você se engana, eles sempre acertam.

Eles observam,sonham, flutuam e conversam. Sim, conversam. Azar o seu, que ainda não entendeu. Tristeza a sua se ainda não tem algum ao alcance da sua parca capacidade perceptiva da Natureza. 

Burrice a sua, se, principalmente, nem consegue ouvir falar sobre eles e já vai dizendo que detesta, que tem alergia, que eles transmitem asma, (!), 
arranham móveis, leptos - expiram, comem ratos, fizeram xixi na cruz, 
bruxuleiam, 
dão azar quando pretos e são traiçoeiros. 

Mas, tudo bem. Você não é obrigado a descobrir tudo sobre aquilo que convencionou chamar de mistério. Provavelmente não conhece nem a si mesmo o suficiente e se contenta com os programas mastigados das tevês e conversas chatas com chatos iguais. 

Não sabe nem quer saber como um animal de quatro patas pode ser inteligente. Muito mais do que você. E enquanto você teme perder esta única vida rezando para que seja longa e no final ir direto ao Céu, eles não rezam nem imploram pelas sete vidas que possuem. 
Gatos não precisam ir para o Céu. Eles vieram de lá. 

TODA VEZ QUE CHOVE

NINO BELLIENY
E os pingos teclam nos telhados, quero descansar lembrando da infância boa que tive, mas o pensamento se desvia nas prováveis manchetes resultantes do excesso de água, enfeitando os jornais de amanhã. 

Enquanto chove,quero ler um livro bom e esquecer de campanhas políticas, trabalhos escolares, frases a serem boladas e até da namorada que desistiu de enfrentar um sonho. 

Mas o que vaza do rio para as ruas, os esgotos entupidos e a luz que ameaça faltar, me surgem diante da janela da sala. A cidade onde moro é como outras milhares de cidades do meu país onde casas de luxos e apartamentos sofisticados se misturam de repente com barracos e casinhas de telhados de amianto e as pessoas parecem conviver democraticamente. 

Parecem...se cumprimentam nas ruas, cruzam-se nas avenidas e nos mercados, andam de baixo do mesmo sol e da mesma chuva...exceto pelas armaduras que as protegem, pelas carruagens modernas com ar-condicionado e duzentos cavalos bebedores de gasolina puxando. 

Enquanto chove, tento viajar nos barquinhos de papel que a minha mãe fazia e eu soltava nas enxurradas em frente ao cartório onde ela trabalhava em Morro do Coco. 

Eles desciam pelas sarjetas, iam para os valões, cruzavam os pastos e sumiam no horizonte eterno da minha criancice. Nas páginas do livro que agora tento ler, é o belo rosto da minha mãe e o do meu pai, separados pelo destino, (e uma mulher morena–clara mais jovem), a surgirem do fundo do tempo. Foi com eles o aprender a amar as letras e as palavras, a música e os livros. 

Agora na chuva embaçando a vidraça redesenho tudo o que deles ouvia e a noite avança molhada. Meu egoísmo reclama por uma boa cama. Não quer saber das goteiras nas casas antigas, nas moradas tristonhas onde o vento entra por todos os lados e a água pode levar tudo, exatamente tudo o que eles não tem. 

Minha falsa segurança depositada em blocos de concreto não quer enxergar o meu verdadeiro país e a minha cidade real. Enquanto chove, como numa velha canção tocada sempre na Igreja de N. S. da Penha no alto do morro, para mim e outros, ”o vento que assovia é cantiga de ninar”...mas para muitos, muitos mais, é só um lamento dentro da noite.

15 de nov. de 2011

TAMBORES

NINO BELLIENY

É fácil a leitura do ruído. De onde vem e como é feito. Buzinas, freadas, batidas, gritos, sirenes, algazarra. O silêncio não... requer mais prática e paciência. Uma interpretação só possível no uso do sentimento e da compreensão. Por exemplo: não há responsabilidade nossa no silêncio alheio, não deveria incomodar, no entanto, ao colocarmos nele, palavras, sons e significados, invariavelmente a tradução leva ao desagradável. Respeitar o silêncio ou ignorar-lhe. Ser vítima, não mesmo.

14 de nov. de 2011

CLARA

NINO BELLIENY 
Nem fala
Deixa o silêncio pela sala
O cheiro do passado já exala
O que fomos nós corre na vala.
Nem à bala
traria de volta a fala
A mágoa que se instala
A tristeza que estala
E o peso morto da mala
Cheia do que em nós se cala.

REGRAS DESREGRADAS

NINO BELLIENY

ESTÁGIOS PÓS-TÉRMINO DE RELAÇÃO

1- Ligar repetidas-inúmeras vezes. Centenas de vezes.

2- Ir da ternura à estupidez, do carinho à fúria em poucas palavras

3- Dizer que não vai mais ligar e 12 segundos depois, esquecer a promessa.

4- Ofender de todas as formas

5- Amar de todas as formas

6- Prometer que vai mudar-transformar-ser-outra-pessoa, fazer todo o não feito antes.

7- Não notar o ridículo da insistência e o enjoo progressivo causado.

8- Caso consiga reatar o romance, por pena, fraqueza do outro ou mesmo amor, voltar em poucos dias a ser a mesma figura capaz de novos transtornos e absurdos.

VACILOU...VAZOU

NINO BELLIENY

Vacilou, vazou, sai daqui e leva as tuas tralhas
não sou Irmão Metralha
pra ter que te aturar
a vida já é dura
com vacilões vira fritura
eu quero é melhorar.
Vacilou, vazou, meu motor quer gasolina pura
chega de mistura
se você não se segura
não vou eu me segurar.
Vacilou, vazou, água benta não te cura
molha esta secura
vou chamar a viatura pra poder te carregar...vacilou? Vazou!

O MATADOR

NINO BELLIENY

Tem a fala mansa, quase arrastada, característica, que verei em outros, mas nele, é poderosa, calculada, ainda que não tenha até hoje, visto um filme de Bogart ou livros policiais, mas quem sabe, aquele jeito dissimulado tranqüilo, intima tanto quanto o 38 que carrega na subaqueira e a 7.65 na parte detrás das calças. 

Um fino punhal de prata da Argentina vai por dentro do cinto, a fivela é o cabo e conta como já se safou de boas com aquela simples arma. Parece confiar em mim ao mostrar o segredo, além de uma previsível 22 que carrega na canela. 

Mas não é a confiança num estranho que o faz abrir-se como um jornal da manhã, mas sim a sua inabalável segurança, bem disfarçada no tom humilde que usa para relatar suas aventuras. Olho para o motorista da rádio que o conhece de infância e suas lendas e parece apreensivo. Ali estamos só nós e o gravador que vai se embebedando das lentas palavras daquele homem e seus sessenta e poucos anos. 

A matéria vai para o programa de variedades da emissora, embora servisse para o programa policial. Mas, soaria óbvio demais e nele, o óbvio, só se notaria com certo esforço. O andar cansado, sandálias havaianas, calça de linho, camisa idem, boina como os italianos da Toscana, bigode e cabelos grisalhos, quem não o conhecesse jamais teria medo. 

Por isto tantos morreram e outros tantos morreriam por serem surpreendidos com tanta candura, que só os que sabem ler através dos olhos, perceberiam ser inflamável, volátil e mortal.

Fala de seu preço, descontos, empreitadas e favores, que já eliminou por simpatia reparando injustiças e só respeita crianças. Explica que levanta toda a vida do alvo antes, para não cometer erros nem pecados, pois é homem de igreja e muita fé. 

Tem marcas espalhadas pelo corpo dos 12 tiros recebidos sem problemas, apenas “cosquinhas”. Do seu ganho tem casa na praia, chácara, é amigo dos “Homens”, é querido pela comunidade, odeia ladrões e estupradores, torce pelo Botafogo, ensina rindo, que o melhor é atirar na testa, para economizar munição, (reclama que a munição está cara), mas que tem gente, que de tão ruim, não morre com poucas balas. 

A noite vem chegando, a conversa vai acabar. Ainda fala dos inúmeros processos que responde e nenhum ano, mesmo um dia, na cadeia. Tem o sorriso fácil, e o saque e o gatilho também, quando para demonstrar pontaria e firmeza, atira em redor dos meus pés. É tão rápido, que nem percebo. Ri e elogia minha frieza...

Que nada... O jeito é rir também. Só depois que saímos dali é que fico sabendo da sua doença terminal e da vida que não duraria mais dois meses. Mas, antes, com certeza muitos iriam embalados por suas mãos de fogo.

A FÁBULA DA GALINHA E DO GAVIÃO

NINO BELLIENY

Era uma vez uma galinha que foi criada como se fora um gavião. O dono do viveiro, desde que a penosa era um simples pintinho amarelinho, que cabia na palma da mão do Gugu, deixou que a mesma fosse criada por uma poderosa mamãe-gavião, adquirindo assim as manhas e manias dos falconídeos.

Com o passar do tempo, seus irmãos mais bicudos foram crescendo assustadoramente e começaram a voar em busca de caça e liberdade. A galinha, assanhada e se achando, tentou o mesmo, batendo as asas e mal saindo do chão. 

O responsável pela convivência entre espécies tão diferentes explicou-lhe que certas coisas eram assim mesmo, que quem nasce galinha permanece galinha, no máximo pode ir parar numa panela bem temperada, ganhar um molho pardo e ser útil a humanidade desta maneira, além de gerar muito colesterol em forma de ovo.

E enquanto nada, ciscar muito e cantar mais. Mas ela não se conformou... e todos os dias passou a subir no alto do telheiro e de lá, pular no vazio, na esperança de voar como seus “irmãos”. Dia após dia, subia e tentava novamente. Até que um dia... Até que um dia, de tanto tentar e cair, cair e tentar, Arrebentou-se toda.

11 de nov. de 2011

ORAÇÃO DO FACEBOOK


NINO BELLIENY
Ajuda-me a interagir com os amigos sem ser invasivo.
Possa eu compreender os comentários sem sentido
Comentar com coerência
E em meio à tantas disparidades
Curtir algo de bom.


Não mande eu, aplicativos, perguntas tolas, marcações de fotos que nada tenham a ver com os marcados
Nem dispare mil frases alheias sem dizer quem as fez
Pelo menos lembrar-me de por entre aspas “quando não souber de quem é”.

Não me deixe menosprezar a inteligência dos que me lêem.
Não me faça explicar o inexplicável nem aplicar o inaplicável.

Impeça-me de enviar convites a toda pessoa
Não me deixe cantar as mulheres só por serem gentis
Não deixe que pensem que sou fácil
Só por ser gentil também.

Não me conceda a esperteza de pedir votos para candidatos políticos
Nem mesmo se este vier a ser eu .
Não misturemos as coisas, meu bom Deus!

Que eu cumprimente no bate-papo e não insista se conversa não querem.
Sejam meus textos simples e minhas fotos claras.
Será que interessa tanto a tantos
Aonde vou com quem vou, o que faço, o que como, bebo, uso, visto?

Que eu lembre ter entre os amigos dos amigos, muitos que não são amigos
E ao expor a minha vida, estes também saberão.
Guarde-nos dos invejosos, dos falsos perfis e dos falsos amigos.
Dos estelionatários e dos ladrões de alegrias.

Senhor, que eu não exija ser curtido e comentado só porque
Comentei ou curti, porém, forneça-me tempo para visitar os perfis dos amigos mais leais.
Torne-me imune à negociações ou chantagens emocionais.
Dê-me a capacidade de discernir o sério do engraçado
E aos meus amigos também.

Sobretudo, use eu , com toda a cautela,
o poder sem limites de deletar alguém,
ação equivalente ao assassinato na vida real.

Aumente nossas amizades sinceras, torna-nos mais reais e objetivos,
E não nos deixei cair na tentação de nos acharmos celebridades
Exigindo convites e facilidades.
Abstenha-me, Senhor, de usar as letras em caixa-alta, pois
na web-linguagem tem isto o efeito de um GRITO
e tantas vezes nos esquecemos disto ou usamos conscientes
sem necessidade comprovada.

Possamos nós ser a palavra que conforta, diverte e ameniza.
Entendamos as milhares de diferenças e nem queiramos ser o dono da única verdade
Ponto de vista e nariz todos possuem um.

Divergir, discordar, concordar, porém, sem jamais faltar com o respeito.
E finalmente, Senhor, abra nossos olhos para a vida em todas as suas manifestações
Virtuais ou Reais.
Evitando preconceitos, pré julgamentos
E nem espalhando inverdades por puro reflexo de querer ser o primeiro.
Proteja-nos do Mal, Senhor, principalmente do que nos habita.

Não deixai que o Face transforme-se no Orkut
E se possível, abençoai-nos em
Em toda plenitude e glória de saber o quanto tudo é volátil.
Amém.

OCEANÁRIO

NINO BELLIENY

Dias sem preocupação e noites sem fim
Nossas vidas emendavam um verão no outro
Inverno era só um tempo para remover montanhas
E ter os sonhos mais próximos da gente.

Hoje sinto a tua falta.
Um arame farpado que perdeu o grampo
Águia longe do ninho
Uma impressora sem tinta.

Fomos atores de um longo filme
Cheio de drama, ação e comédia
Trilha sonora bonita e adequada
Não havia possibilidade de tragédia.

Hoje sinto a tua falta.
Gato sem telhado
Golfinho longe do oceano
Um violão sem cordas.

Finjo não estar nem aí
Nem aqui
Em lugar nenhum

Ninguém vai perceber na minha cara de orgulho
A tua falta.

Não é preciso.
Só eu sei o quanto chia na chapa quente
A tua falta.

TRIBO DO SOL SEM NUVENS

NINO BELLIENY
Crianças correm pelo gramado até o topo da colina, de lá descem em pedaços de papelão escorregando. Gritam e sorriem como todas as crianças traquinas, saudáveis meninos e meninas na confusão de grama, papelão e quedas indolores. Sou uma delas.

Faço pelo prazer e pra minha mãe ver como sou esperto. Chuto a bola, faço gol, olho em volta para saber se o meu pai viu. Quero a torcida deles, o incentivo, o sorriso de pais orgulhosos. 

Minha mãe está ocupada trabalhando. Meu pai, nem imagino. 
Ultimamente sinto-me invisível. Chego em casa do colégio, só o Jerry me reconhece, a cauda canina tem a forma constante de um sinal de interrogação, baba de felicidade, late rodopiando e pulando quando o chamo para correr pelos pastos. 

Minha irmã ouve música, a mais nova brinca e os cabelos louros lindos são raios de sol em todas as direções. O irmão mais velho partiu. Pratico Judô sozinho com um livro presenteado pelo professor. 

Olho para as nuvens e seus formatos. Leio gibis e Reinações de Narizinho.
Restam-me soldadinhos, índios de plástico e um jeep de brinquedo. Meu mundo é pequeno e cabe em um pedaço da calçada. Ali sou o imperador. E o vazio não entra.

Meu Universo sou eu mesmo e me acompanhará pelo resto de minha vida dentro do pequeno espaço de uma calçada.

A MULHER QUE AMA CAVALOS



NINO BELLIENY

Sabe amar a vida a mulher que ama cavalos.
A liberdade é cavalgada pela mulher do vento
Domando as tristezas no dorso da velocidade.
Sobre o pó da estrada a mulher que ama cavalos
Escreve histórias com as patas de seus corcéis.
Todas as raças em uma só raça
Pintadas pelas cores sem pincéis.
Equina humanidade equânime.
Cavalos não traem
Não são pusilânimes
São livres mesmo presos.
A alma de um cavalo é a ventania
Ama isso nos cavalos a mulher que os ama.
Duas lívias almas numa só
A mulher e o cavalo amado
A mulher e todos os cavalos alados.
A mulher que se ama e o indomável sentimento do amor puro.

10 de nov. de 2011

AO SOL DE ANGRA

NINO BELLIENY

Saíram as duas, ávidas por liberdade, sol, sal e as ondas de Angra. Prometeram uma para a outra que tudo o que rolasse ficaria entre elas. Seria a grande aventura de duas mulheres bonitas numa distante e confortável situação. 

Saídas de uma pequena cidade onde tudo era vigiado e até o não-feito era comentado - principalmente o não-feito - queriam aqueles dias para experimentarem as aventuras que o coração de ambas pedia.

Agora já estavam lá debaixo do sol de Angra dos Reis, bronzeadas, adrenalizadas, preparadas para aquilo que esperaram desde que pensaram na viagem. 
Num barco cheio de pessoas animadas, música, bebida. Outras embarcações vão surgindo e de ilha em ilha, o mar é pura festa de velas e motores. 

A estibordo da nave onde estão, uma lancha potente diminui a marcha e um piloto solitário, dono de corpo construído em academia e pinta de muita grana, acena. As duas amigas devolvem o gesto acrescido de sorrisos. 
Mas, só uma delas, a mais nova, demonstra vontade de ir mais além. Numa manobra bem feita o piloto encosta no barco. 

Estende a mão e a puxa. Em segundos a morena dos cabelos curtos já está distante, o rastro da espuma deixada pela lancha indo se encontrar com o horizonte.

Apreensiva, a amiga olha para um lado e outro, mas, se recorda do pacto de nada contarem para ninguém; que está num lugar estranho; que ninguém as conhece e relaxa. Duas, três horas depois, a amiga retorna. O sorriso cravado na cara bonita diz tudo.Tinha vivido a sua primeira grande aventura de férias.

Passaram-se os anos: casou-se, raramente se lembrava da”fuga”. Só por acaso.Tinha outras histórias para lembrar, sempre fizera o que dera na telha e na laje. Arrependimentos, só do que não fizera. 
Até que começou a aparecer na Internet, fotos onde ela era a estrela principal. Em várias posições e maneiras. 

A pequena cidade, já não tão pequena assim, recebia pelos monitores em rede, aquele espetáculo de sol, azul, erotismo explicitamente ativo. 
Ninguém sabia quem era o sujeito bronzeado, presente em todas as imagens. 
Mas, a bela morena, esta todos sabiam quem era.

QUALQUER CHATEAÇÃO E PIMBA!

NINO BELLIENY
Excluía, deletava, bloqueava a amizade virtual. Implacável extermínio de quem pensasse diferente. 
Ao perceber ter ficado entre o nada e o pouco, navegando na solidão do " eu sempre tenho razão", entendeu apenas repetir a vida real.

PARA QUEM SABE LER

NINO BELLIENY


Um pingo é mancha no papel. A crônica publicada, uma “carta” escrita por um “amigo”, que representando a sua turma alerta um companheiro sobre as traições de sua amada, baseada em tantas histórias alheias e próprias, (quem nunca passou por isso?), causou, longe de seu intento inicial de apenas divertir, uma silenciosa polêmica... silenciosa pelas reações, todas apenas baseadas no olhar e na maneira de perguntarem para quem seria, quando, como e onde... O terreno da ficção é sem limites. 

Suas fronteiras existem a partir do momento em que o leitor encara o que está à sua frente como real, provável, mentiroso, sonhador, ilusório ou engraçado apenas. A intenção de quem escreve pode ser alcançada por muitos ou por ninguém, por mais que se tenha tentado comunicar uma coisa, acaba se dizendo outra e cada leitor terá a sua interpretação única e pessoal. 

Diferente do colunismo social, onde mesmo com liberdade é possível informar com bom humor, mas sem fugir à veracidade e ao bom senso, a crônica permite a fantasia, ainda que esta seja totalmente retirada da realidade. 

Mas, sabemos se atingimos o gosto - ou o desgosto - das pessoas, quando rende comentários, o texto é recortado, repassado via e-mail, enfim, ganha vida própria e vai divertindo aos que tem senso de humor mesmo que se enquadrem; aborrecendo àqueles que são inseguros e ficam desconfiados; ou os que se reconhecem por inteiro e impotentes diante de uma situação onde só quem está dentro pode saber como é, se sentem frustrados e angustiados, sem a mínima chance de rirem de si mesmos.

Aliás sempre um bom começo de saída. Numa cultura onde para o homem trair é esportivamente normal e para a mulher completamente o contrário, qualquer manifestação pode levar ao ressentimento e a caminhos tortuosos. 

Quando todos compreenderem a hora certa de terminar uma história de amor bonita, mas que já deu o que tinha que dar e recomeçar uma outra é bem mais honesto do que fingir e suportar convenções sociais falidas, crônicas, piadas e historinhas de traição não farão mais nenhum sentido. Nem polêmicas...

7 de nov. de 2011

BOLHAS DE SOL

NEM O SOL FAZ SUCESSO SOZINHO
Sem a gente e toda a Natureza ele não teria sentido.
NINO BELLIENY
NOSSAS VIDAS SÃO COMO CAMPEONATO BRASILEIRO DE PONTOS CORRIDOS
Numa rodada quase eliminado, na outra, quase campeão.
NINO BELLIENY

3 de nov. de 2011

A MULHER DE VIDRO

NINO BELLIENY

Ela foi arrancando a blusa, a saia, tudo como se fosse o último dia e a última oportunidade, o agora ou nunca. Sem aqueles panos e convenções, antes da colada final, deu pra ver a brancura da pele como praia de ma-nhã bem cedo sob os primeiros raios de sol. 

O corpo bem feito, remodelado em horas de academia e muitos cremes e massagens, era simplesmente o que já se previa ao vê-la caminhar ondulante pelo calçadão, indiferente aos fortes ventos da tarde e aos olhares gulosos dos aposentados, dos pecuaristas e suas conversas de boi-em-pé e dos moleques engraxates. 

O corpo, meu Deus, feito exato pelo Senhor, num de Seus dias de maior inspiração e poesia. Um corpo santo e diabólico, manso e feroz, um corpo que vai prendendo, prendendo, sem o menor esforço da dona. 

Mas agora, era a hora de provar daquela festa para poucos, banquete de reis que o puro acaso tornava imensamente mais instigante e interessante ao pobre rapaz que ao entrar naquela sala envidraçada de onde as luzes do Centro pareciam pequenas velas de Natal, mal teve como notar tanto luxo só conhecido de revistas de decoração, que ler, ele sempre foi muito de ler. 

O corpo, a cara, o encararam com um prato de pêssegos, recém colhidos e mergulhados em creme de leite e tudo aconteceu. Línguas misturadas, pele dentro da pele, suor mais forte que o poderoso ar da Beira-Rio via janelas enormes e alucinante ritmo a derrubar candelabros, estatuetas e livros por todo o tapete persa, com certeza, ou na dúvida, comprado no Paraguai, como o uísque que ela ofereceu um pouco antes. 

Mas, quê! Isto são apenas detalhes, o bom e o bem, o suco e o sentimento de sabor derretendo na boca era o mais importante naquela mulher, a mais desejada da cidade, a mais bela debaixo do sol que ninguém no mundo por mais que a desejasse imaginaria fazendo aquilo que toda mulher gosta de fazer. Muito menos ele sem nome sem destino, sem grana, só um menino impressionado com tanto blindex, jacuzzi e granito.

E ficaram unidos por todo o eterno que dura apenas um piscar de olhos e o respirar de um beija-flor. Pra tudo acabar com um toque do telefone, as roupas carregadas até o quarto, um oi, um até logo, um nunca mais, só confirmado dias depois. 

Hoje, o não-mais menino, homem que o tempo fez também de granito, só tem o coração de vidro-fumê, por onde, vez em quando vislumbra sinais da mulher de blindex, rainha e senhora por todos os séculos, amém.

A VOLTA DE QUEM NUNCA SE FOI

NINO BELLIENY

Beijo as palavras que ela me escreveu num antigo papel de carta cheio de asas em letras bonitas voando na folha sem pauta com frases longas e afetuosas onde ainda agora sinto tanta ternura que o apartamento parece deslizar no silêncio das coisas bem escritas com amor e caneta tinteiro de cor azul celestial tão fina deixando ver através a menina que a escreveu em um tempo de Beatles , Peter Frampton e Rádio Mundial depois das aulas no Ginásio no alto do morro ao lado da Igreja com seus sinos avisando a hora da missa e agora quem vem é a saudade implacável em acordes de Dire Straits badalando no vestíbulo dos ouvidos velhas canções de adolescentes sonhando com o mundo inteiro embaixo de um tênis All Star rabiscado de desenhos de guitarras e pranchas de surf no mar de uma praia sem fim e sem nome no coração dos sábados na discoteca Casarão entre dezenas de travoltas bebendo Bee Gees com Cuba Libre dominando a pequena pista cheia de miragens tendo como passaporte obrigatório estudar na ETFDC para ganhar muito dinheiro longe de casa podendo comprar um Passat como os amigos que conseguiram antes e voltavam orgulhosamente vitoriosos pela rua principal do pequeno lugar perdido entre morros e montanhas tão altas que lá no cume da mais inatingível morava a autora da carta e dos desenhos a nanquim embalando recordações numa demolida escada de pedras firmes para sempre na minha imaginação sem vírgulas.

1 de nov. de 2011

NÃO SEI A RECEITA DA FELICIDADE

NINO BELLIENY

A da infelicidade é simples:
Basta desejar viver a vida do outro
Sem saber o preço que ele paga.

TÁBUAS FURADAS DA LEI

NINO BELLIENY

A falta de graça das piadas com a desgraça alheia.

A zombaria como forma de defesa

A pobreza de humor dos zorras totais, pânicos e cqcs

A pseudo-intelectualidade dos nomes do momento

A mesmice das propagandas

A rima sem poesia da maioria dos sucessos musicais

A celebração idioestática das celebridades instantâneas

A profusão imbecilizante de informações dispensáveis

A fofoca digitalizada

A carência espiritual disfarçada de agressividade

A ânsia de vitória a qualquer custo.

A velocidade em julgar, condenar e executar

A tristeza fantasiada para mais um feriado e final de semana

A cobiça convivendo com a angústia

As horas voando, a vida vazando e tão poucos

Admitindo o quanto devem mudar para serem

Apenas o que precisam ser.