26 de set. de 2011

TODA VEZ QUE CHOVE

NINO BELLIENY

E os pingos teclam nos telhados, quero descansar lembrando a infância boa que tive, mas o pensamento se desvia nas prováveis manchetes resultantes do excesso de água, enfeitando os jornais de amanhã.

Enquanto chove, quero ler um livro bom e esquecer de campanhas políticas, trabalhos escolares, frases a serem boladas e até da namorada que desistiu de enfrentar um sonho. Mas o que vaza do rio para as ruas, os esgotos entupidos e a luz que ameaça faltar, me surgem diante da janela da sala.

A cidade onde moro é como outras milhares de cidades do meu país onde casas de luxos e apartamentos sofisticados se misturam de repente com barracos e casinhas de telhados de amianto e as pessoas parecem conviver democraticamente.

Parecem... se cumprimentam nas ruas, cruzam-se nas avenidas e nos mercados, andam de baixo do mesmo sol e da mesma chuva...exceto pelas armaduras que as protegem, pelas carruagens modernas com ar-condicionado e duzentos cavalos bebedores de gasolina puxando.

Enquanto chove, tento viajar nos barquinhos de papel que a minha mãe fazia e eu soltava nas enxurradas em frente ao cartório onde ela trabalhava em Morro do Coco. Eles desciam pelas sarjetas, iam para os valões, cruzavam os pastos e sumiam no horizonte eterno da minha criancice.

Nas páginas do livro que agora tento ler, é o belo rosto da minha mãe e o do meu pai, separados pelo destino, (e uma mulher morena–clara mais jovem), a surgirem do fundo do tempo.

Foi com eles o aprender a amar as letras e as palavras, a música e os livros. Agora na chuva embaçando a vidraça redesenho tudo o que deles ouvia e a noite avança molhada.
Meu egoísmo reclama por uma boa cama. Não quer saber das goteiras nas casas antigas, nas moradas tristonhas onde o vento entra por todos os lados e a água pode levar tudo, exatamente tudo o que eles não tem.

Minha falsa segurança depositada em blocos de concreto não quer enxergar o meu verdadeiro país e a minha cidade real.

Enquanto chove, como numa velha canção tocada sempre na Igreja de N.S. da Penha no alto do morro, para mim e outros, ”o vento que assovia é cantiga de ninar”... mas para muitos, muitos mais, é só um lamento dentro da noite.

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