16 de nov. de 2011

TODA VEZ QUE CHOVE

NINO BELLIENY
E os pingos teclam nos telhados, quero descansar lembrando da infância boa que tive, mas o pensamento se desvia nas prováveis manchetes resultantes do excesso de água, enfeitando os jornais de amanhã. 

Enquanto chove,quero ler um livro bom e esquecer de campanhas políticas, trabalhos escolares, frases a serem boladas e até da namorada que desistiu de enfrentar um sonho. 

Mas o que vaza do rio para as ruas, os esgotos entupidos e a luz que ameaça faltar, me surgem diante da janela da sala. A cidade onde moro é como outras milhares de cidades do meu país onde casas de luxos e apartamentos sofisticados se misturam de repente com barracos e casinhas de telhados de amianto e as pessoas parecem conviver democraticamente. 

Parecem...se cumprimentam nas ruas, cruzam-se nas avenidas e nos mercados, andam de baixo do mesmo sol e da mesma chuva...exceto pelas armaduras que as protegem, pelas carruagens modernas com ar-condicionado e duzentos cavalos bebedores de gasolina puxando. 

Enquanto chove, tento viajar nos barquinhos de papel que a minha mãe fazia e eu soltava nas enxurradas em frente ao cartório onde ela trabalhava em Morro do Coco. 

Eles desciam pelas sarjetas, iam para os valões, cruzavam os pastos e sumiam no horizonte eterno da minha criancice. Nas páginas do livro que agora tento ler, é o belo rosto da minha mãe e o do meu pai, separados pelo destino, (e uma mulher morena–clara mais jovem), a surgirem do fundo do tempo. Foi com eles o aprender a amar as letras e as palavras, a música e os livros. 

Agora na chuva embaçando a vidraça redesenho tudo o que deles ouvia e a noite avança molhada. Meu egoísmo reclama por uma boa cama. Não quer saber das goteiras nas casas antigas, nas moradas tristonhas onde o vento entra por todos os lados e a água pode levar tudo, exatamente tudo o que eles não tem. 

Minha falsa segurança depositada em blocos de concreto não quer enxergar o meu verdadeiro país e a minha cidade real. Enquanto chove, como numa velha canção tocada sempre na Igreja de N. S. da Penha no alto do morro, para mim e outros, ”o vento que assovia é cantiga de ninar”...mas para muitos, muitos mais, é só um lamento dentro da noite.

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