14 de nov. de 2011

O MATADOR

NINO BELLIENY

Tem a fala mansa, quase arrastada, característica, que verei em outros, mas nele, é poderosa, calculada, ainda que não tenha até hoje, visto um filme de Bogart ou livros policiais, mas quem sabe, aquele jeito dissimulado tranqüilo, intima tanto quanto o 38 que carrega na subaqueira e a 7.65 na parte detrás das calças. 

Um fino punhal de prata da Argentina vai por dentro do cinto, a fivela é o cabo e conta como já se safou de boas com aquela simples arma. Parece confiar em mim ao mostrar o segredo, além de uma previsível 22 que carrega na canela. 

Mas não é a confiança num estranho que o faz abrir-se como um jornal da manhã, mas sim a sua inabalável segurança, bem disfarçada no tom humilde que usa para relatar suas aventuras. Olho para o motorista da rádio que o conhece de infância e suas lendas e parece apreensivo. Ali estamos só nós e o gravador que vai se embebedando das lentas palavras daquele homem e seus sessenta e poucos anos. 

A matéria vai para o programa de variedades da emissora, embora servisse para o programa policial. Mas, soaria óbvio demais e nele, o óbvio, só se notaria com certo esforço. O andar cansado, sandálias havaianas, calça de linho, camisa idem, boina como os italianos da Toscana, bigode e cabelos grisalhos, quem não o conhecesse jamais teria medo. 

Por isto tantos morreram e outros tantos morreriam por serem surpreendidos com tanta candura, que só os que sabem ler através dos olhos, perceberiam ser inflamável, volátil e mortal.

Fala de seu preço, descontos, empreitadas e favores, que já eliminou por simpatia reparando injustiças e só respeita crianças. Explica que levanta toda a vida do alvo antes, para não cometer erros nem pecados, pois é homem de igreja e muita fé. 

Tem marcas espalhadas pelo corpo dos 12 tiros recebidos sem problemas, apenas “cosquinhas”. Do seu ganho tem casa na praia, chácara, é amigo dos “Homens”, é querido pela comunidade, odeia ladrões e estupradores, torce pelo Botafogo, ensina rindo, que o melhor é atirar na testa, para economizar munição, (reclama que a munição está cara), mas que tem gente, que de tão ruim, não morre com poucas balas. 

A noite vem chegando, a conversa vai acabar. Ainda fala dos inúmeros processos que responde e nenhum ano, mesmo um dia, na cadeia. Tem o sorriso fácil, e o saque e o gatilho também, quando para demonstrar pontaria e firmeza, atira em redor dos meus pés. É tão rápido, que nem percebo. Ri e elogia minha frieza...

Que nada... O jeito é rir também. Só depois que saímos dali é que fico sabendo da sua doença terminal e da vida que não duraria mais dois meses. Mas, antes, com certeza muitos iriam embalados por suas mãos de fogo.

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