3 de nov. de 2011

A MULHER DE VIDRO

NINO BELLIENY

Ela foi arrancando a blusa, a saia, tudo como se fosse o último dia e a última oportunidade, o agora ou nunca. Sem aqueles panos e convenções, antes da colada final, deu pra ver a brancura da pele como praia de ma-nhã bem cedo sob os primeiros raios de sol. 

O corpo bem feito, remodelado em horas de academia e muitos cremes e massagens, era simplesmente o que já se previa ao vê-la caminhar ondulante pelo calçadão, indiferente aos fortes ventos da tarde e aos olhares gulosos dos aposentados, dos pecuaristas e suas conversas de boi-em-pé e dos moleques engraxates. 

O corpo, meu Deus, feito exato pelo Senhor, num de Seus dias de maior inspiração e poesia. Um corpo santo e diabólico, manso e feroz, um corpo que vai prendendo, prendendo, sem o menor esforço da dona. 

Mas agora, era a hora de provar daquela festa para poucos, banquete de reis que o puro acaso tornava imensamente mais instigante e interessante ao pobre rapaz que ao entrar naquela sala envidraçada de onde as luzes do Centro pareciam pequenas velas de Natal, mal teve como notar tanto luxo só conhecido de revistas de decoração, que ler, ele sempre foi muito de ler. 

O corpo, a cara, o encararam com um prato de pêssegos, recém colhidos e mergulhados em creme de leite e tudo aconteceu. Línguas misturadas, pele dentro da pele, suor mais forte que o poderoso ar da Beira-Rio via janelas enormes e alucinante ritmo a derrubar candelabros, estatuetas e livros por todo o tapete persa, com certeza, ou na dúvida, comprado no Paraguai, como o uísque que ela ofereceu um pouco antes. 

Mas, quê! Isto são apenas detalhes, o bom e o bem, o suco e o sentimento de sabor derretendo na boca era o mais importante naquela mulher, a mais desejada da cidade, a mais bela debaixo do sol que ninguém no mundo por mais que a desejasse imaginaria fazendo aquilo que toda mulher gosta de fazer. Muito menos ele sem nome sem destino, sem grana, só um menino impressionado com tanto blindex, jacuzzi e granito.

E ficaram unidos por todo o eterno que dura apenas um piscar de olhos e o respirar de um beija-flor. Pra tudo acabar com um toque do telefone, as roupas carregadas até o quarto, um oi, um até logo, um nunca mais, só confirmado dias depois. 

Hoje, o não-mais menino, homem que o tempo fez também de granito, só tem o coração de vidro-fumê, por onde, vez em quando vislumbra sinais da mulher de blindex, rainha e senhora por todos os séculos, amém.

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