8 de fev. de 2012

DE HOMENS E CÃES

NinoBellieny

É de manhã, num dia de feira qualquer. O sol se espalha pela praça e se espelha nas poças d’água formadas na depressão do piso. O homem distinto e bem vestido caminha em direção à Igreja. Escorrega no passo apressado e desaba seus cento e vinte quilos. É acompanhado por estertores imediatos. O chacoalhar do cérebro ao repicar no mármore disparou impulsos e o corpanzil treme, gira, se debate. Logo se forma uma multidão em torno e ninguém tem coragem de chegar perto. São segundos de agonia e espetáculo para comodistas e medrosos. Rapazes filmam, meninas narram a cena pelo celular. Risos, piadas e o homem agora nem um pouco distinto, não se mexe mais com a mesma intensidade... a boca e o nariz estão inteiros dentro d’água. Vai morrer afogado e sua morte será mais tarde vista por milhões na internet.

Até surgir de modo brusco e misterioso um enorme cão. É um pitt bull. Já está próximo ao homem. Parte da multidão se excita: a fera vai completar o espetáculo estraçalhando o quase afogado. Outra parte parece despertar do transe e quer impedir. 

O cão não se intimida. As duas poderosas patas reviram o homem na exata hora do afogamento. Lambe o rosto da vítima. O sujeito volta a respirar, está salvo. O povo engole o próprio silêncio e a vergonha. O pitt bull permanece majestoso por alguns instantes e depois se afasta lentamente num gingado marrento e heróico. Desaparece dentro da fumaça negra de um ônibus na movimentada rua, como um anjo de quatro patas.

Na praça a multidão se dispersa. Não há risos nem piadas. Só olhos cabisbaixos e ombros arriados como sempre.

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